Uma nova forma de golpe de viagem emerge: guias gerados por IA
A tecnologia de inteligência artificial aplicada a tarefas criativas complexas é vendida como uma inovação sensacional com grande potencial para prosperidade. Infelizmente, esse tipo de novidade sem precedentes deveria ser mais bem regulada, mas nações e empresas de tecnologia ainda estão longe de um consenso para disciplinar uma área com potencial crescente para resultar em consequências nocivas.
Alarmismo à parte, alguns golpes virtuais crescem em quantidade e em verossimilhança com velocidade surpreendente de maneira que seria impossível há pouco tempo sem o recurso à inteligência artificial. Entre diversos setores, a intersecção entre dois ramos propicia ações lesivas relevantes: a junção entre publicações literárias e turismo.
Por que o turismo virtual atrai golpistas?
Assim como o comércio em geral e os serviços, o turismo é uma área produtiva explorada no mundo virtual de maneira crescente nos anos recentes. Diferentemente da compra de bens de consumo, uma passagem aérea ou a hospedagem num hotel dependem de muito mais confiança para que uma compra seja feita: os valores tendem a ser altos, ter menos intermediários e depender de mais planejamento.
A quantidade de detalhes a serem acertados numa viagem tende a ser maior do que a compra objetiva de um móvel ou peça de roupa, que também podem envolver algum tempo de pesquisa. Portanto, a necessidade de interação com pessoas e esclarecimento (consequentemente, de depositar confiança em alguém) também é superior.
Assim, cibercriminosos exploram o nicho do turismo em busca de vítimas, vendendo ofertas “imperdíveis” fraudadas ou manipulando pessoas para obter dados sensíveis ou mesmo transferências de dinheiro.
Guias de viagem falsos: o que são e quais seus riscos?
A nova onda de ações maliciosas envolvendo turismo é um pouco mais sutil do que o contato direto com falsos operadores de viagens ou fraudadores donos de hotéis imaginários. No entanto, podem levar a consequências tão ruins quanto se perder numa cidade completamente estranha sem nenhuma informação útil ou ter o celular hackeado e perder todos os dados e funções fundamentais para o dia a dia.
Parece uma loucura, mas falsos guias de viagem têm vendido como pão quente na Amazon. Nos Estados Unidos, esse marketplace controla até 80% da distribuição de livros, e tem sido inundado com livros escritos por modelos de inteligência artificial. Os modelos de inteligência artificial seguem em evolução e podem se sair de maneira bastante competente pesquisando e compilando informações de modo parecido com que um ser humano capacitado faria.
No entanto, “verossimilhança” é a palavra chave que torna esse tipo de produção problemática. Treinados com milhões de exemplos de textos, esses modelos tornam-se capazes de emular estilos e entregar informações de maneira convincente, embora não necessariamente criteriosa. No caso dos guias de viagem postiços, não há apuro editorial nenhum e, portanto, nenhum ser humano supervisionando e verificando as dicas de viagem neles despejadas.
Um elemento adicional de dificuldade para identificar tratarem-se de fraudes é a foto do autor, que também pode ser gerada por inteligência artificial. Projetos como o gerador This Person Does Not Exist (“essa pessoa não existe”, em inglês) propõe-se a criar rostos inteiramente sintéticos e inéditos. Apesar de conterem anomalias com alguma frequência, as imagens são bastante fidedignas à figura humana, o que dificulta acusar um golpe.
Como identificar guias de viagem gerados por IA
Embora comprar um guia de viagens barato pela internet não devesse ser fonte de desgaste, esse novo desafio impõe alguns processos de verificação relevantes para não cair num golpe. Há 3 itens a analisar para entender se um livro do gênero foi gerado por IA.
1 – Ler as resenhas: Será que alguém realmente comprou e leu o título em questão? Alguns minutos de leitura atenta das resenhas disponíveis podem ser esclarecedores. Embora modelos de IA também possam ser usados para escrever comentários, os padrões tendem a ser relativamente claros, elogiosos, sem contrapartidas e provavelmente repetitivos.
2 – Checar a autoria: verificar o nome do(a) autor(a) no Google é uma etapa relevante. Se tiver redes sociais ou página pessoal, provavelmente não será difícil encontrar alguma referência à obra. Ela também poderá ser citada em fóruns online de leitura, clubes de livro ou plataformas sociais como o Goodreads.
Porém, um obstáculo significativo adicional pode se impor na verificação desse item. Alguns livros postiços têm se aproveitado do nome de autores consolidados para obter mais acessos.
Nesse caso, provavelmente será necessário aguardar uma denúncia do autor afetado para que uma providência seja tomada. Entretanto, caso uma incoerência clara seja notada, isso também pode soar um alarme. Caso o nome do autor usado não esteja remotamente vinculado ao ramo utilitário ou dos guias de turismo, mas sim à ficção, por exemplo, eis um bom motivo para suspeitar da idoneidade do material com que se trava contato.
Superadas as duas etapas de análise propostas acima, recomenda-se devolver o livro à plataforma vendedora explicando as preocupações com conteúdo gerado automaticamente e pouco confiável. Embora não haja garantia de conserto, já que a Amazon não explicita a proibição de conteúdo gerado por IA (como dito antes, é um tema ainda sem regulamentação clara), o livro poderá violar direitos de propriedade intelectual.